Nota sobre aumento de casos: dezembro de 2021
Última revisão em 20 de dezembro, 2021.
.
Houve uma brusca reversão de tendência no número de hospitalizações e atendimentos a casos suspeitos de COVID-19 no município de São Paulo, passando de queda a rápido crescimento.
A mudança rápida de tendência é compatível com crescimento exponencial de casos causados por novo agente etiológico, com tempo de duplicação de hospitalizações em torno de 3 a 5 dias.
Outros vírus respiratórios e a nova variante Ômicron do SARS-CoV-2 são os agentes mais prováveis, embora ainda não haja dados para termos certeza da importância de cada um para o aumento de hospitalizações.
São agravantes a capacidade de escape das defesas imunes e reinfecção pela variante Ômicron, e a ineficácia da vacina contra gripe aplicada em 2021 contra a variante Darwin do vírus H3N2, que está predominando no momento.
Também agravam a situação a falta de política de testagem abrangente para ambos os agentes e o apagão das bases de dados de casos, resultados laboratoriais, e vacinação do Ministério da Saúde.
É urgente a intensificação da vacinação e testagem, normalização dos sistemas de informação, e retomada de medidas de proteção com ênfase em uso de máscaras adequadas, ventilação e distanciamento físico.
É também urgente fornecer à população informação com base em dados científicos, de forma que ela possa contribuir ativamente para o enfrentamento do momento atual da pandemia, que apresenta risco adicional, com as festas de fim de ano que se aproximam.
O número de hospitalizações de casos suspeitos de Covid-19 no Município de São Paulo tem crescido rapidamente desde o início de dezembro. Esse crescimento tem se acelerado, o que também aconteceu com o número de casos suspeitos de COVID-19 atendidos pela rede hospitalar do município de São Paulo. Consequentemente, a ocupação dos leitos COVID no município também teve um crescimento rápido nos últimos sete dias, mostrando uma tendência de aumento de pressão sobre o sistema hospitalar.
Número de novas hospitalizações de casos suspeitos de COVID-19 no município de São Paulo por dia. A linha mostra a tendência prevista por nosso modelo estatístico. Fonte dos dados: Censo hospitalar do Estado de São Paulo, SEADE, consultado em 20/12/2021. Dados sujeitos a modificação.
Número de atendimentos de casos suspeitos de COVID-19 em hospitais da rede municipal de São Paulo por dia. Fonte: boletins diários COVID-19 da Prefeitura de São Paulo, consultados em 19/12/2021. Dados sujeitos a modificação.
Como pode-se verificar nas figuras acima, há uma reversão da tendência de queda para um crescimento abrupto de atendimentos e hospitalizações. Essa mudança é um forte motivo de alerta e, se esse crescimento permanecer, poderemos caminhar para um cenário dos mais graves da pandemia, em termos de morbidade, sobrecarga do sistema de saúde e consequente desassistência.
O Observatório Covid-19 BR analisou essas mudanças a partir dos dados publicados pela Fundação SEADE do censo hospitalar no Estado de São Paulo e pela Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo em seu Boletim Epidemiológico Diário. A tendência de curto prazo pode ser descrita pela queda exponencial de casos desde setembro, somada a um crescimento exponencial de casos a partir do início de dezembro. As linhas nas figuras acima mostram a combinação dessas duas tendências, que resulta na brusca inflexão da curva de hospitalizações e atendimentos observada nos últimos dias. A explicação mais provável para o aumento exponencial que causa a inflexão é a circulação de um novo agente infeccioso. Nossa análise estima que o tempo de duplicação de internações por esse novo agente se situa entre três a cinco dias, para este período analisado, no Município de São Paulo. Ou seja, na melhor das hipóteses, a cada 5 dias aproximadamente o número de hospitalizações por este agente dobra.
Para termos uma ideia do que este número significa, quando a COVID-19 foi introduzida no Brasil em fevereiro de 2020, o número de hospitalizações dobrava a cada 4 dias aproximadamente. Num cenário em que esse crescimento exponencial observado siga a trajetória atual, poderíamos atingir um número de hospitalizações por dia comparável ao pico de casos de maio de 2021 (devido à variante Gama) em muito pouco tempo.
Qualquer doença que faça o número de hospitalizações subir em uma progressão geométrica, duplicando-as em poucos dias, exige toda a atenção das autoridades de saúde, visto que pode agravar rapidamente a já instalada emergência de saúde pública. É preciso tomar rapidamente as atitudes necessárias para frear esse crescimento. É preciso, também, que a população seja devidamente informada sobre esse novo momento da pandemia para que possa contribuir para o seu enfrentamento, mantendo todas as medidas de proteção.
Até o momento, não é possível afirmar, com segurança, qual o agente infeccioso responsável por este marcante aumento de hospitalizações. No entanto, é necessário analisar hipóteses, de forma a abrir espaço para que medidas de saúde pública possam ser antecipadas e minimizar os danos que se anunciam. Três hipóteses nos parecem as mais plausíveis: (i) estamos diante de nova subida de casos de infecção por SARS-CoV-2, desta vez causados, predominantemente, pela variante Ômicron; (ii) estamos diante de uma epidemia de Influenza A (H3N2, linhagem Darwin), como observado no Rio de Janeiro; ou (iii) por fim, estamos em um cenário de combinação dos efeitos da circulação desses dois vírus.
Um ponto importante a favor da primeira hipótese é que o tempo de duplicação estimado por meio do número de novas hospitalizações é compatível com aquele relatado para a variante Ômicron do SARS-CoV-2, como notificado nos dados da África do Sul e do Reino Unido. Por outro lado, acrescentando maior complexidade ao momento pandêmico, tem sido registrado aumento da circulação do vírus Influenza A-H3N2 da linhagem Darwin, em surtos no Rio de Janeiro e outras cidades do Brasil, associados com aumento de casos de síndrome respiratória aguda grave, inclusive óbitos. Destaca-se que esta cepa viral não compõe a formulação vacinal contra gripe, usada na Campanha de outono deste ano. Ou seja, a vacina contra a gripe atualmente em uso não confere proteção significativa contra essa nova cepa H3N2 da linhagem Darwin, embora seja importante para auxiliar a conter eventuais surtos pelos vírus Influenza A H1N1 e Influenza B.
É importante destacar que os sintomas da Influenza são semelhantes aos de Covid-19, dificultando o diagnóstico diferencial entre as síndromes respiratórias somente por exames clínicos. Por isso, é necessário o diagnóstico laboratorial para diferenciar uma doença da outra. Como a testagem no Brasil não tem sido realizada de forma abrangente, ainda não se pode afirmar qual é o agente infeccioso associado a esse forte aumento das hospitalizações de casos suspeitos de COVID-19 no Município de São Paulo. Ademais, frente à confirmação de transmissão comunitária da variante Ômicron do SARS-CoV-2 e circulação do H3N2, não se pode excluir que a combinação de ambos tenha contribuído para o aumento de hospitalizações. Enfatizamos que, apesar da relevância de se perseguir a investigação dessas e de outras hipóteses, a questão mais crítica no momento é a urgência em alertar gestores de saúde pública e a sociedade como um todo para o difícil momento que se anuncia.
Para agravar ainda mais a situação, os sistemas de informações em saúde do governo federal estão com problemas recorrentes de acesso ao público e gestores desde 10 de dezembro. Por isso, no momento não é possível comparar em detalhe a situação epidemiológica da capital paulista com outras cidades brasileiras. Este é um momento crucial da epidemia de Covid-19. Estamos às vésperas de festas de fim de ano, e continuamos com sérios problemas de acesso e atualização dos dados de notificação e testagem necessários para identificar as causas e prever consequências do aumento de casos de síndrome respiratória aguda ou síndrome gripal que observamos.
O acúmulo de informações sobre a variante Ômicron do SARS-CoV-2 desenha um quadro preocupante: além do tempo de duplicação estimado entre três e cinco dias, há registros de situações de escape vacinal e possibilidade de reinfecções. São necessárias doses de reforço no esquema vacinal para que se possam evitar mais casos sintomáticos por essa variante. Países como a Holanda, Dinamarca e Áustria já voltaram a adotar medidas que restringem o contato entre pessoas, e a Alemanha intensifica o processo de vacinação da terceira dose. Estes fatos devem ser considerados quando se avalia a situação brasileira perante a epidemia de Covid-19. Ademais, com o aumento de casos de COVID-19, aumenta o risco de mais casos de Covid Longa, cujos desfechos, a longo prazo, ainda são pouco conhecidos. Por um princípio de preservar as vidas, em primeiro lugar, defendemos escolhas de precaução. Devemos estar preparados para o crescimento de casos de Covid-19 por uma variante viral mais transmissível, que circula com grande rapidez em várias regiões do mundo, com indícios de evasão de imunidade após infecção e após duas doses de vacina, além de ainda ser pouco conhecida quanto à severidade da doença causada por ela.
Mesmo que uma parte dos casos de internações por suspeita de Covid-19 no município de São Paulo possa ser atribuída à gripe, seria leviano não nos prepararmos para epidemia da nova variante de SARS-CoV-2 aqui, visto que ela já circula, comunitariamente, no município e podemos até mesmo enfrentar um cenário de epidemia simultânea por esses dois vírus respiratórios. Nesta situação, é preciso agir imediatamente - postergar medidas e decisões para janeiro pode custar muito caro: vidas, maior descontrole da pandemia e incremento significativo no surgimento de Covid Longa. A vacinação com a dose de reforço precisa ser acelerada nacionalmente em curto tempo. A vacinação de nossas crianças tampouco pode esperar. Há uma ameaça à frente e devemos estar preparados para ela.
A vacinação precisa ser acompanhada de um aumento expressivo em testagem - tanto do tipo RT-PCR quanto de antígenos - e rastreamento de contatos, esforços para continuar a vigilância genômica e reforço nas medidas já comprovadas de diminuir infecções. Destacam-se o uso de máscaras de maior capacidade de filtragem e vedação (PFF2, N95) - atrelado a campanhas de distribuição das mesmas para populações vulneráveis e de boa comunicação sobre o seu uso correto, sem vazamentos de ar pelas bordas -, medidas que incentivem pessoas a evitarem espaços fechados e mal ventilados em prol de ambientes ao ar livre, iniciativas de monitoramento e de melhoria da qualidade do ar em ambientes fechados, ações que aumentem o distanciamento físico, e restrições para diminuir aglomerações especialmente em locais fechados. Ainda que absolutamente necessário, há incertezas se um avanço da vacinação, por si só, será suficiente para deter o atual crescimento de casos em função do tempo necessário para que cada dose surta efeito. Neste momento, devemos estar principalmente preocupados em evitar contágio de grupos vulneráveis, tais como idosos e pessoas imunossuprimidas, e as que ainda não tomaram a dose de reforço. Mesmo diante das incertezas, a adoção dessas medidas de prevenção e intensa comunicação pública dos órgãos competentes podem certamente ajudar, considerando que essas medidas de prevenção são eficazes também contra o vírus da Influenza.
Enfatizamos a necessidade de ações de comunicação institucional adequada por parte das autoridades de saúde pública, lideranças governamentais das três esferas, e autoridades públicas em geral, para ampla conscientização da população em relação ao cenário atual e adesão às medidas de prevenção. Reafirmamos a urgente necessidade de um alerta de saúde pública sobre o cenário atual descrito, bem como a normalização dos sistemas de dados da saúde relacionados ao acompanhamento dos casos de Gripe e COVID-19 (como o sistema SIVEP-Gripe, e-sus e PNI) para orientar as decisões dos governos e população neste período de viagens e encontros.